Em 2005 fiz minha estreia no serviço público. Ao contrário da maioria esmagadora, prestei concurso para minha área de formação. Estava concluindo minha pós graduação em RH, ou seja, estava cheia de idéias, projetos, um monte de conhecimentos novos e atualizados.
Alguns meses depois já havia encarado a realidade: um chefe que está lá há milênios e que tem certeza de conhecer tudo. Sua experiência já o ensinou como proceder em todas as funções a ele atribuidas, e como comandar sua equipe de serviçais, quero dizer, funcionários.
Um dos momentos memoráveis foi ele me ensinando como usar a vírgula ("filhinha, a vírgula vem na frase quando você precisa dar uma pausa pra respirar"), mas antes fosse só isso. Todos os projetos, relatórios e documentos que eu redigia tinham que passar por ele, que traduzia para a linguagem "acessível" aos superiores. Ele sempre me falava: "Eu conheço o meu eleitorado!", afirmava que sabia o que o chefe achava interessante ou não, se ia ler algo ou deixar de lado, enfim, já tinha um esqueminha de comunicação com o alto escalão.
Eu dava pulos de raiva, argumentava, batia boca... mas nada resolvia. Admito que não tinha maturidade para lidar com a situação de maneira adequada. Mas também sabia que continuar naquele esquema era fazer um pacto com a mediocridade. Se a proposta de gestão de pessoas é renovar, nós temos que passar por mudanças. Só eu pensava isso. A orientação era realizar atividades que chamassem a atenção mas que perpetuavam as antigas práticas. Nunca consegui me conformar com tarefas estúpidas. E sempre achei o cúmulo você tratar um chefe como uma criança mimada que deve ser atendida em seus delírios de poder e exigências estapafúrdias.
O resultado dessa batalha era óbvio: fiquei engessada, sem poder executar 1/5 das idéias que tinha, com fama de cri cri, e completamente desestimulada pro trabalho.
Mudei de emprego, fui chamada em outro concurso. Fui mandada pra única área que odeio na minha profissão, e nisso fiquei amargando por quase 3 anos. E depois de tanta luta, finalmente consegui chegar na área de recursos humanos que tanto queria. Finalmente poderia executar aquilo que aprendi...
Hoje minha chefe me passou uma super tarefa, explicou o que precisava, perguntou o que eu achava e mandei bala na execução. Adoro esse tipo de coisa, analisar o processo, organizar os dados, elaborar relatórios, principalmente quando eles exigem que eu use meus conhecimentos de verdade. Passei a manhã correndo, levantando as informações, elaborando instrumentais, tudo que era preciso, mas com um super sorriso na cara. Fui terminar quase 13 horas, mas com a sensação de dever cumprido.
Quando levei pra minha chefe, ela mal leu o que escrevi. Perguntou logo de uma tabela com o nome dos funcionários que recusaram o remanejamento em questão. Eu tinha descrito os resultados da convocação, sem identificar os indivíduos, afinal dar nome aos bois não ia interferir no relatório. Era preciso saber quantos aceitaram, quantos recusaram e por quais motivos, para dai propor uma nova ação. Sem contar que é conhecido o histórico de perseguição a servidores que não "colaboram"...
Ela cortou quase todo meu relatório e pediu pra substituir por um quadro que mostra quem recusou e porquê. No meio da minha argumentação perguntou onde estavam as anotações do que ela tinha pedido, afinal eu não tinha feito de acordo com o que ela havia mandado. Não pulei de raiva como antes, pelo contrário, me abati. Fiquei lá escutando e anotando as coisas.
Quando ela rabiscou o rascunho do tal quadro, no qual o título era maior que um parágrafo não me contive. E mais uma vez ela fechou a questão. E ai o grande flashback do meu antigo chefe: "eu conheço a Fulaninha (a superior a ela, a PG da parada), se ela pega um relatório desse não vai ler, tá muito comprido. Ela gosta de quadro e tabelas explicativos."
Não consigo entender por que superiores hierárquicos desaprendem a ler quando assumem o poder. Aceito que um alto gestor tem muitas atribuições, mas ele deve ter acesso aos processos que ele comanda. E ainda acredito que fornecer informações completas não é ser prolixo.
Devo ter feito uma cara de choro, ou muito feia (principalmente quando falou que eu podia fazer o que eu quisesse com aquele relatório, mas que não era aquilo que ia ser entregue), porque depois de passar minha tarefa, ela pediu desculpa se falou de maneira grossa, fez piadinha falando que ela gosta de coisas bem sintéticas. Disse que eu não precisa fazer isso hoje e me liberou pra vir pra casa.
Eu sempre acreditei que se estou numa função de nível superior se espera que eu tenha um mínimo de autonomia e proatividade. Meu julgamento, dentro das minhas competências, teria um valor, senão um administrativo poderia executar a mesma atividade. Mas parece que estou enganada. Eu forneço meu conhecimento, as chefias assimilam, usam a parte que os interessa e passam o que deve ser cumprido.
Nhé, ainda não consegui me acostumar que as coisas devam ser assim. Mas também não creio que tenha muita saída.
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5 comentários:
Depois desse Nhé, ainda não consegui me acostumar que as coisas devam ser assim. Mas também não creio que tenha muita saída.
Sinceramente formação superior não diz competência. Talvez a pessoa que nunca estudou é mais competente, ou será que estou dizendo besteira? Pois bem. Tenho curso superior, pos e os cambaus, tive vários chefes praticamente todos graduados, mas o que realmente me fez ver com referência só possuia o curso ginasial, mas de uma sensibilidade impar. No início pensava como você, mas depois com a convivência, recordei-me da frase: SÓ SEI QUE NADA SEI.
Um dia tive um enorme projeto em mãos. Pesquisei, estudei, planejei e elaborei um belo book. O diretor nem olhou, achou muito grande, complexo etc.. Desanimei. Daí tropecei em um livrinho do Tom Peters que tinha o desenho de uma lápide com a legenda: essa é a lápide que não quero para mim: "tentei fazer um projeto na minha empresa e meu chefe não deixou". Revi o projeto, diminui, eliminei resistências... Não era o que eu queria. Mas saiu alguma coisa e foi elogiado por todos... É assim.
As pessoas têm perfis diferentes e portanto se comunicam de forma diferente. Não adianta falar alemão com quem só entende chinês... Mude a linguagem para que "seu eleitorado" entenda o que você está falando. É só uma questão de comunicação...
Isso chama-se preguiça! Com a idade as pessoas perguntam algo já sabendo qual resposta querem. E se forem contrariados, sai de perto. Além disso são teimosos e insistem em que estao sempre certos, mesmo errados.
Também odeiam que alguém com metade de sua idade e salário (as vezes até menos), ensine algo a eles.
Isto é Brasil!!!
Me identifiquei mas perdi a empatia quando falou no "administrativo". Tem uma boa dose de orgulho na pessoa. Trabalho num lugar onde os "técnicos" se acham e o povo de RH é julgado como "administrativo".
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